Os riscos mal dimensionados ou desconsiderados no setor de Alimentos & Bebidas
O termo da língua inglesa “liabilities” pode ser interpretado como os riscos previamente avaliados e mensurados. Ou pela definição mais técnica, são as obrigações financeiras do negócio ainda não realizadas e que são apresentadas como provisões no balanço das empresas.
No setor de Alimentos & Bebidas, a maioria dos altos executivos normalmente ignora, considera eliminados ou “mortos” uma grande quantidade de fontes de altíssimo risco operacional aos negócios. Eles, realmente, são homens de grande fé, pois acreditam que a empresa, por possuir fantásticos ERPs (SAPinhos ou SAPões) ou alguma certificação ISO, está praticamente livre dos perigos e danos. Ledo engano, os “Liabilities Zombies” retornam dos pretensos “estímulos” famintos para devorar a sua “carne” – o valor da empresa.
Para esses executivos, vale observar uma das definições básicas da administração, que diz que o valor da firma corresponde à soma dos ativos tangíveis e dos ativos intangíveis. Como podemos notar, é uma relação bem simples, mas, infelizmente, muitas vezes mal interpretada ou compreendida.
No setor de Alimentos & Bebidas, os ativos intangíveis representam, em média, 50 a 60% do valor de mercado da empresa (dados do mercado EUA). Isto é, o capital intelectual (marcas, know-how, etc.) vale igual ou mais do que todas as unidades fabris, estoques, recursos financeiros, etc.
Quando comparada com outros setores econômicos, a indústria de alimentos apresenta baixa taxa de inovação e relativamente baixo nível tecnológico. Então, o que explicaria o grande valor das marcas (intangíveis) nesse setor? A grande responsável por isso é a rigidez dos hábitos alimentares. Os consumidores são conservadores em relação aos produtos alimentares devido ao forte aspecto cultural associado (tradições).
A importância das marcas no setor é de tal ordem que elas funcionam como barreiras de entrada. Isto significa que uma empresa que pretenda iniciar a atuação em um diferente segmento do mercado ou em outro país, quase que obrigatoriamente, necessita fazer a aquisição de uma empresa local tradicional. Portanto, impactos na confiabilidade e no valor da marca (intangíveis) geram perdas substanciais no valor de mercado da empresa.
Então, se os ativos intangíveis são tão importantes, quais seriam as possíveis razões para os graves casos de impacto nas marcas, amplamente veiculados na mídia, como por exemplo, a da bebida mista Ades (Unilever), no Brasil, com resíduos de processo? Ou, ao escândalo transnacional, na Europa, de hambúrgueres (Tesco, e várias outras marcas) e lasanhas (Findus) com carne de cavalo? Ou, ainda, ao caso dos alimentos infantis (Danone e Nutrícia) e do leite em pó, na Ásia, envolvendo matéria-prima contaminada por bactéria causadora de botulismo (Fonterra – grupo neozelandês e um dos maiores do mundo em produtos lácteos).
No caso Ades, o presidente da Unilever, Paul Polman, admitiu perdas de vendas da ordem de R$ 220 milhões (€ 70 milhões). No caso europeu do “horse meat”, somente a empresa Tesco teve um impacto no seu valor de mercado da ordem de € 300 milhões (€ 360 milhões). E, no caso Fonterra, ainda não se tem uma ideia da dimensão financeira do problema. Esses são apenas alguns casos, visto que o número de recall de alimentos e bebidas tem aumentado em todo mundo e, sobremaneira, nos EUA, já mesmo antes da implantação completa do Food Safety Modernization Act (FDA).
Voltando à pergunta, o que estaria causando tudo isso? Como podemos deduzir, os culpados são os “Liabilities Zombies”. Os zumbis estão na cadeia de suprimentos, nas operações industriais e, também, na cadeia de demanda (distribuição, etc.). Como cada um desses tópicos requer um capítulo específico, abordaremos os mesmos em futuros artigos.
O ambiente de negócios mudou. O consumidor passou a ser um ativista através das redes sociais (Facebook, Instagram, etc.). As pressões políticas geram mais regulação tanto na segurança alimentar como, também, na gestão ambiental e na responsabilidade social das empresas.
A indústria de Alimentos e Bebidas é a mais exposta a isso, não só pelo óbvio contato diário com o consumidor, mas, principalmente, porque os intangíveis (marcas e o que elas representam) são o maior valor dessas empresas. Portanto, já passou da hora do setor despertar e enfrentar a gestão de risco para além, desculpem a expressão, do “feijão-com-arroz” (fiscal, commodities e câmbio). É urgente a implantação de análise, mensuração de impacto e gestão de risco em toda estrutura do negócio.
Autor do Artigo: Luiz Azevedo Eng. Químico, MBA Marketing, Mestre em Economia, Diretor da Profiler Business Consulting e Sócio PBC – Food & Beverages Consultants.