“Não existe almoço grátis, nem solução simples para problema complexo.
Durante a visita à FISPAL Tecnologia 2017 em São Paulo no final de junho, o que mais me chamou a atenção foi uma mudança de foco do evento. A feira tradicional do setor de Alimentos e Bebidas é concentrada em fabricantes de Equipamentos e Embalagens. A FISPAL é normalmente dominada pelos enormes e suntuosos stands dos grandes fabricantes de equipamentos, mas nesta edição eles se fizeram presentes de maneira bem discreta. Neste ano, a maioria dos expositores eram de médios fabricantes e apresentando equipamentos menores e soluções econômicas para pequenas e médias indústrias de alimentos.
A crise econômica em que o Brasil está mergulhado é sentida pelo setor de alimentos processados desde meados de 2014, portanto, já há 3 anos, e não apresenta sinais de recuperação em curto prazo. Mais impressionante que os números de queda do PIB são os dados do PIB per capita que despencaram, -4,6% (2015), -4,4% (2016) e previsto de -7,2% para 2017 (*1). O nível de desemprego está na ordem de 13,7% (*2), ou seja, 14,2 milhões de pessoas sem trabalho, isto é mais que 2 vezes toda a população da cidade do Rio de Janeiro ou toda a população da Holanda, e a perspectiva é que esse número aumente ainda mais até o final deste ano.
Esse cenário erodiu fortemente o poder de compra do consumidor e continua pressionando a capacidade de consumo. Dessa maneira, o consumidor é obrigado a fazer sempre as 3 perguntas:
(1) Preciso? (2) Tenho dinheiro? (3) Precisa ser agora?
Mas quando se trata de alimentação, não se pode deixar de comer, então o consumidor coloca o seguinte balanço: Orçamento disponível X Necessidade do Item X Valor Agregado do Produto.
No mercado, o que se observou foi um direcionamento das compras para produtos básicos como arroz, feijão, batata, leite, açúcar, ovos, frango, etc.
As informações publicadas pelas diversas Associações Empresariais que representam os distintos segmentos do mercado de Alimentos e Bebidas nos confirmam as percepções e são focadas nos dados de volume de consumo e não no faturamento (ver artigo ‘A Crise em Números – Brasil – Alimentos Processados’).
O início da solução de qualquer problema é conhecer e entender a dimensão do mesmo. Como os fatos demonstram e os dados comprovam, a crise econômica brasileira é profunda e o tempo de recuperação será longo. Pela forte retração do poder aquisitivo da população, a demanda está altamente reprimida. Por outro lado, o brasileiro é um consumidor com apetite voraz, que historicamente sempre que tem uma melhora na renda faz a demanda explodir. Nesta visão, o mercado brasileiro, com uma população de 210 milhões de habitantes, continua sendo um enorme potencial de consumo.
O fundamental para as empresas é ajustar suas estratégias para a travessia dos próximos 2 anos e se preparar para um crescimento sustentável à frente. Voltando ao exemplo da FISPAL, é interessante observar a adequação do foco comercial em médias empresas e em mercados regionais que possuem maior flexibilidade inclusive para inovação e lançamento de produtos. É urgente repensar toda arquitetura de preços, a distribuição do mix de produtos e dos canais de vendas. Para aqueles que tiverem disponibilidade de capital é um excelente momento para aquisições, principalmente para as empresas entrantes (fundamental a incorporação do know-how das enormes idiossincrasias das cadeias de negócios em um país continental e atípico como o Brasil), e também para empresas que pretendam expandir para outros segmentos de mercado.
A expectativa é que após esse longo processo de depuração o país saia fortalecido, mais maduro, mais racional e com uma estrutura econômica mais sustentável e muito mais independente das vontades políticas de Brasília. Ao longo dos próximos 10 anos, as necessidades de mudanças encaminharão o Brasil para uma redução da burocracia, para uma racionalização e redução dos impostos sobre a cadeia produtiva, e para abrir o país para o comércio internacional (apesar de ser a 9ª maior economia do mundo, participa somente em 1% do comércio mundial (*3)).
O Brasil tem alta produtividade em grãos, grande produção de oleaginosas e óleos, liderança mundial em custo tecnologia e produção de açúcar, capacidade de rápido crescimento de produção de cacau, uma fruticultura tropical variada, além de ser o maior produtor de proteína animal do mundo (carne bovina, suína e frango). O Brasil, com um grande mercado consumidor interno potencial, uma sólida base financeira (sistema bancário e bolsa de valores), boa base industrial e com sua forte e desenvolvida estrutura de agronegócios (agricultura e pecuária), tem todas as condições de ser um dos maiores provedores mundiais de alimentos processados.
Quem analisar friamente e investir racionalmente no Brasil irá construir uma excelente, lucrativa e sustentável plataforma global de negócios.
(*1) Trading Economics (https://tradingeconomics.com/brazil/gdp-per-capita) based on World Bank data.
(*2) IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (www.ibge.gov.br)
(*3) WTO – World Trade Organization (www.wto.org)
Autor do artigo: Luiz Azevedo Engenheiro Químico, MBA em Marketing, Mestre em Economia, diretor da Profiler Business Consulting e sócio da PBC – Food & Beverages Consultants.”